ORQUÍDEA NEGRA [NEIL GAIMAN & DAVE MCKEAN]

orquídea negra-00

“A maior parte do que ‘todo mundo sabe’ não passa de engano. O resto é simplesmente inconfiável.”Batman.

Netfontes_triballaka_Logo obra ORQUÍDEA NEGRA é fruto da perseverança de dois artistas. Se atualmente viver da arte sequencial é um trabalho árduo, naquela época, o processo era extremamente mais difícil.

Quando NEIL GAIMAN soube que os editores da DC Comics, DICK GIORDANO e KAREN BERGER, viriam para Londres, na busca de novos talentos com esperança de encontrar sangue novo, e que seguisse a mesma linha criativa do recém-chegado aos USA, ALAN MOOREo qual tornou o MONSTRO DO PÂNTANO [Swamp Thing], criado por LEN WEIN e por BERNI WRIGHTSON, o embrião para o selo adulto da DC, a VERTIGO, – não pensou duas vezes, ligou para NICK LANDAU da EDITORA TITANa qual publicou VIOLENT CASES, primeiro trabalho de Gaiman em parceria com Dave, – para descobrir o local na qual os editores poderiam ser encontrados, e convidou novamente seu parceiro DAVE MCKEAN para ambos tentarem a “sorte” e serem reconhecidos. É importante lembrar que Karen já tinha consciência de quem era Gaiman, pelo fato deste em 1986 ter enviado para ela o roteiro JACK IN THE GREEN [publicado anos depois] que fizera como teste para Alan Moore, com o qual tinha feito amizade algum tempo antes, e lhe ensinou as técnicas básicas de roteiros para quadrinhos.

orquídea negra-01

Quando finalmente encontraram com os “caras” da DC, Karen demonstrou ter gostado do roteiro para O Monstro do Pântano que havia sido enviado para ela, e Giordano se impressionou com a qualidade artística dos desenhos de McKean, algo irônico por que alguns meses antes, Dave pôs os pês em Nova York e mostrou seu portfólio para as grande editoras americanas como a MARVEL, CONTINUITY e a própria DC e todas prometeram entrar em contato e nunca o fizeram. Em meio a tantos personagens de interesse de Gaiman, nenhum dos iniciais propostos, como VINGADOR FANTASMA, JOHN CONSTANTINE, ARQUEIRO VERDE, entre outros estavam disponíveis, a única personagem disponível naquele momento era BLACK ORCHID, conhecida no Brasil como Orquídea Negra, que não passava de uma personagem um tanto obscura no universo DC. O pedido de Gaiman já demonstrou que este tinha um conhecimento considerável do universo de heróis da editora para qual pedia sua chance de trabalho. Conseguindo com McKean, a publicação da obra em 1988- Sem antes, claro, de uma boa estratégia de mercado, pois apesar de talentosos, ambos os artistas, não eram conhecidos na mídia, por isso, escalaram Dave McKean para ilustrar as páginas de ASILO ARKHAM UMA SÉRIA CASA EM UM SÉRIO MUNDO [Arkham Asylum: A Serious House on Serious Earth] escrita por GRANT MORRISON, e Neil Gaiman para escrever SANDMAN.

orquídea negra-04

Como já mencionado, Alan Moore, reformulou o Monstro do Pântano, tornando a vida de ALEC HOLLAND, o homem-planta, cheia de conceitos místicos como O VERDE, uma espécie de consciência primal da natureza, aproveitando o gancho, Gaiman, com seu talento de criar religiões, escreveu um artigo chamado NOTAS DE UMA TEOLOGIA VEGETAL que pretendia introduzir na sua reformulação de Orquídea Negra [criada em 1973 por SHELDON MAYER], fazendo ligações “biológico-místicas” entre o Monstro do Pântano, JASON WOODRUE [o Homem Florônico] e HERA VENENOSA [a famosa inimiga do BATMAN], porém, os conceitos foram usados apenas de forma singela, como subtexto, sendo o artigo publicado anos depois na biografia: O PRÍNCIPE DAS HISTÓRIAS: OS VÁRIOS MUNDOS DE NEIL GAIMAN [The Prince of Stories: The Many Worlds of Neil Gaiman]. Até então, a heroína da DC, não tinha uma origem definida, outro gancho que pôde ser usado a favor, dando a possibilidade de trabalhar ainda mais o conceito da teologia vegetal.

orquídea negra-03

A orquídea é uma flor que está associada à sexualidade e beleza feminina, a maior parte das vezes crescem favorecidas pelas árvores ao se apoiarem nelas, ficando mais expostas a luz do sol, facilitando sua nutrição. Essas características biológicas da flor foram muito bem exploradas por Gaiman, ao descrever quadro a quadro, o que gostaria que Dave Mckean transpusesse no papel, aprofundando a sexualidade inata aos seres vivos em algo mais profundo, pois desenvolve um roteiro repleto dos mais variados sentimentos e descrevendo simbolicamente os instintos primitivos, usando a violência e o amor, no melhor estilo LOVE WILL TEAR US APART, da banda britânica, JOY DIVISION, onde o sentimento idealizado [ou sua essência mística] possui as mais variadas facetas, tornando personagens como CARL THORNE, apesar de lunático ensandecido, extremamente humano. É importante ressaltar que a palavra, Orquídea, deriva da palavra grega, ÓRKHIS, que significa “em forma de testículos”, sendo então, as orquídeas, para o povo grego, símbolo de virilidade, e na Idade Média, consideradas afrodisíacas. Essa sexualidade e sensualidade das Orquídeas, nos traços belíssimos de McKean, são o contra ponto em relação à violência masculina durante toda jornada de autoconhecimento da Orquídea negra que perturbada com seus fragmentos de memórias [Neil ama trabalhar esse tema] busca saber sobre seu passado. Aos poucos a Orquídea Negra vai adquirindo valores sociais e juntando as peças de “sua” memória de SUZAN LIDEN-THORNE, a Orquídea original, que morta incinerada no primeiro capítulo, “desperta” em seguida, num tipo de estufa na casa do cientista botânico, PHIL SYLVIAN, que pode ser considerado tanto seu pai como seu amante [genial].

orquídea negra-02

O quesito violência na história é extremamente importante por que Gaiman em sua genialidade e senso crítico, logo de cara, põe um vilão dizendo que na vida real as coisas não são tão convenientes quanto numa história em quadrinhos, e nos brinda com personagens femininos demostrando inocência, ao mesmo tempo em que astucia, num mundo “dominado” por homens. Seguindo os passos de Alan Moore, Neil vira de cabeça para baixo o conceito de super-heróis, criando uma narrativa madura, lírica, critica e que merece estar na estante de qualquer amante de boa literatura e colecionador de HQS.

A arte de Dave McKean é um vislumbre para os olhos, cada quadro pode muito bem ser ampliado, emoldurado e posto na parede, que não há um critico de arte que não considere seu talento extremamente peculiar. Os diálogos de Neil Gaiman são convincentes e verossímeis nos fazendo refletir a cada cena.

orquídea negra-06

No Brasil, Orquídea Negra, foi publicada como minissérie em 1989 em três edições pela EDITORA GLOBO, um ano depois, em edição encadernada pela mesma. As editoras OPERA GRAPHICA, METAL PESADO, TUDO EM QUADRINHOS também publicaram a obra, seja em minissérie, seja em encadernado, sendo a EDITORA PANINI, a última editora a fazê-lo em fevereiro de 2013, em capa dura com alguns extras que entre todas as edições lançadas faz com que está seja realmente “definitiva”; Entre os extras temos cartas trocadas entre Karen Berger e Neil Gaiman, e rascunhos de roteiro de algumas cenas, o qual nos faz perceber mais claramente como é a argumentação usada por Gaiman e nos proporciona ver ainda mais quão talentoso é McKean que consegue captar o lirismo do escritor britânico.

NÃO É POR ACASO QUE ORQUÍDEA NEGRA É UMA DAS OBRAS MAIS CONCEITUADAS DA LINHA VERTIGO.

orquídea negra-05


      REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  • PRÍNCIPE DAS HISTÓRIAS: OS VÁRIOS MUNDOS DE NEIL GAIMAN [GERAÇÃO EDITORIAL]
  • ARTE DE NEIL GAIMAN [MYTHOS BOOKS]
  • ORQUÍDEA NEGRA: EDIÇÃO DEFINITIVA [EDITORA PANINI]
  • GUIA DOS QUADRINHOS [SITE]/SIGNIFICADOS.COM.BR [SITE].

3 Respostas para “ORQUÍDEA NEGRA [NEIL GAIMAN & DAVE MCKEAN]

    • Com certeza, Orquídea Negra, merece ser lida, principalmente por aqueles que gostam do estilo de narrativa de Gaiman. Ele desenvolve a obra de forma parecida com Sandman, por exemplo: usando a música como forma de transpor o lirismo da narrativa [que envolve violência, sexualidade, ganância…] e nos fazer compreender os motivos para este, ou, aquele personagem serem, ou, agirem de tal forma, algo que os torna mais humanos e nos faz dizer: ”isso não é apenas umas historinhas em quadrinhos, não mesmo!”.
      De coração, fiquei feliz pelo comentário =)

      Curtir

  1. Pingback: DIÁRIO DE UM AFICIONADO EM SANDMAN | Crônicas do Lobo Invernal

Deixe um comentário