“Estamos em um sonho que a criatura construiu como campo de concentração. Que tipo de regras se aplicam?”- Superman
“Você veio com um manual de instruções para o mundo desperto, Super- Homem? Você já esteve aqui antes.”- Daniel [Sandman]
SINOPSE: “Numa noite, todos os habitantes do planeta Terra caem em sono profundo, exceto a Liga da Justiça. Em meio ao salvamento de carros, aviões e navios desgovernados, os heróis recebem uma surpreendente visita na Torre de Vigilância: Sandman! Indiferente aos questionamentos cada vez maiores dos heróis, o Mestre dos Sonhos alerta à Liga que, para libertar o mundo, será preciso salvar uma criança, cuja vida corre perigo em nome… da Coisa!”– Guia Dos Quadrinhos.
uando li ENTES PERPÉTUOS: O UNIVERSO ONÍRICO DE NEIL GAIMAN, de HEITOR PITOMBO, descobri sobre a aparição de DANIEL, considerado o filho de MORFEUS por ter nascido no REINO DOS SONHOS, que assumiu o cargo após sua morte, numa história escrita por GRANT MORRISON. Claro, como leitor aficionado por SANDMAN– e criações de NEIL GAIMAN– queria muito lê-la, mas infelizmente demorei um tanto para encontra-la, o fazendo há pouco tempo, tendo lido apenas nessa noite de chuva.
“… PERCHANCE TO DREAM” é o título de JUSTICE LEAGUE OF AMERICA #22, no qual DANIEL “dá as caras”, se formos traduzir ao pé da letra, seria algo como “… talvez, sonhar”, no caso, o termo, Perchance, não é muito utilizado, segundo um amigo meu, era bastante difundido no inglês arcaico, comum na época de SHAKESPEARE. Digo isso por que, logo pelo título, já podemos ter noção da forma que GRANT MORRISON trata suas narrativas.
No Brasil, o título foi traduzido como MESTRE DOS SONHOS, obviamente para existir uma referência mais explícita ao personagem ícone do selo VERTIGO, SANDMAN. A edição #26, da LIGA DA JUSTIÇA DA AMÉRICA: OS MELHORES DO MUNDO, publicada pela EDITORA ABRIL, em 1999, contêm três historias: a primeira delas, O FIM DE UMA ERA, equivalente a edição # 562 de ADVENTURES OF SUPERMAN, a segunda, A COISA, edição JLA # 22, a terceira, CONQUISTADORES, continuação direta da segunda história, edição JLA #23.
O FIM DE UMA ERA possui o argumento de KARL KESEL e JERRY ORDWAY, desenhos de TOM GRUMMETT, e, basicamente, mostra as consequências da compra de LEX LUTHOR DO PLANETA DIÁRIO, mudando o nome para LEXCOM; e a fuga de MIKE “METRALHADORA” GUNN, da U.C.E., com a ajuda da INCENDIÁRIA, que são impedidos pelo Homem de Aço.
Como todos sabem quando SANDMAN começou a ser publicado, no caso, a releitura de GAIMAN, o personagem ainda fazia parte do selo DC Comics, no entanto, a partir do momento que começaram a surgir histórias com teor mais sombrio, incluindo SANDMAN, como, por exemplo, a releitura do MONSTRO DO PÂNTANO por ALAN MOORE, a editora acabou criando o selo adulto VERTIGO, porém mesmo que GAIMAN tivesse se distanciado um pouco do universo DC, durante a narrativa da trajetória do REI DOS SONHOS, este nunca chegou a se distanciar completamente, colocando, a título de exemplo, a aparição de SUPERMAN e BATMAN, durante o funeral de MORFEUS, em SANDMAN: O DESPERTAR. Por isso sempre existirá a possibilidade dos escritores utilizarem os personagens criados por GAIMAN, no universo “normal” da DC Comics, mesmo que o escritor inglês não queira que isso aconteça. Até onde tenho ciência, existe um acordo de NEIL GAIMAN com a editora, de que, mesmo que a DC seja dona do personagem MORFEUS, apesar do escritor ter reinventado o personagem, tornando o totalmente diferente de WESLEY DODDS, SANDMAN da Era de ouro dos quadrinhos, esta não permitirá a utilização do personagem por outro escritor sem seu consentimento, no entanto, o seu substituto, DANIEL, não faz parte do acordo, ou seja, este pode ser utilizado. Pelo o que andei pesquisando, GAIMAN não era de acordo que GRANT MORRISON, usasse DANIEL nessa história, mas não pôde impedir. De qualquer forma, DANIEL, após essa aparição parece ter sido esquecido.
A APARIÇÃO DE DANIEL NA TORRE DA VIGILÂNCIA:
WARNING: Contêm Spoilers
“lgo está errado”, um menino vagando pelas ruas, de nome MICHAEL HANEY, reflete sobre isso, ele não sabe exatamente o que é, mas novamente, após entrar em sua casa, repete em sua mente: “Algo está errado”. Parece uma noite como qualquer outra, envolto em sombras, a lua brilhante no céu, e alguma coisa espreitando, vigiando as pessoas, vigiando o menino… Esperando. Enquanto isso, talvez, do outro lado da cidade, SUPERMAN é convocado por AJAX, O MARCIANO, que diz que as pessoas estão começando a cair num sono profundo, algo está totalmente errado, SUPERMAN ruma, então, para a TORRE DA VIGILÂNCIA.
MICHAEL HANEY, por sua vez, agora está no Reino dos Sonhos, adormeceu depois de fazer alguns desenhos em sua solidão, no quarto.
Na torre, DANIEL, o novo SANDMAN, está à espera de todos os heróis, segundo, o anjo renegado, ZAURIEL, o perpétuo é uma forma abstrata, as máquinas revelam isso. “É mais antigo do que pensa. Espreitou o mundo e agora ataca. Primeiro, conquista nos sonhos. Depois na realidade”, diz, DANIEL, quando indagado por SUPERMAN sobre o que seria a presença alienígena que possivelmente está causando o sono repentino dos cidadãos. DANIEL também revela, entre um e outro signo em sua linguagem metafisica, que uma criança clama pela ajuda d’OS MELHORES DO MUNDO, e esta está no plano onírico, lugar que os heróis devem ir, agindo de acordo com a fé do menino.
MICHAEL HANEY, continua no seu quarto, mas diferente de antes, no plano onírico, sendo tentado pelo alienígena, pela COISA.
A COISA, no sonho, domina a mente das pessoas, divide suas emoções, interfere na sua vontade de potência, deseja torna-las suas marionetes, Zumbifica -las, enquanto, HANEY, procura por um nome, não, mais que isso, procura superar o niilismo, auxiliado pelo mensageiro DANIEL, o SENHOR DOS SONHOS, que mostra o desenho feito por HANEY, antes de adormecer: o SUPER- HOMEM, essa é a salvação da perda da razão, perda dos sentidos, ele precisa tornar-se o Super Homem do filosofo, NIETZSCHE.
Durante esse meio tempo, os heróis: SUPERMAN, MULHER MARAVILHA, LANTERNA VERDE [KYLE RAYNER] vagam pelos sonhos a procura do menino perdido, o menino que deposita fé nos potencial dos heróis. “Por que você sempre exita? Jordan, que usou o anel mágico antes de você… afeta todas as suas ações” afirma, DANIEL, quando, KYLE, demonstrasse inseguro, sem saber o que fazer, nem aonde ir. O LANTERNA VERDE, novamente, demonstra insegurança quando age de acordo com sua vaidade, mesmo admirando HAL JORDAN, e diz que todos consideram JORDAN, o antigo portador do anel, como o melhor Lanterna de todos, porém DANIEL, afirma que KYLE, sabe algo que JORDAN nunca aprendeu: sentir medo. A coragem pode, em muitos casos, gerar arrogância, favorecer a fúria, enquanto o medo, quando superado, consegue tornar- o individuo virtuoso, digno, capaz de se sacrificar por um ideal.
As duas passagens são extremamente importantes na narrativa por que, ao mesmo tempo em que, DANIEL está com os heróis, também está com HANEY, e após mostrar esses dois pontos de vistas, uma consciência onírica reflete: “Mas é só imaginação. Todos dizem que ele tem isso de sobra. Que ele é estranho. Ela sabe”.
Por um lado, o individuo deve se aperfeiçoar, potencializar sua própria personalidade, buscar sua própria felicidade, e não a felicidade coletiva, antes de pensar na sociedade, tornar-se o Super Homem; por outro, o indivíduo deve vencer o medo, seguir em frente, ser capaz de ajudar, amar o próximo, buscar a paz coletiva– o Lanterna Verde é o signo para isso. Mas: “A voz do pai é grossa e engraçada, como se ele falasse com gelatina na boca. Como duas vozes ao mesmo tempo. Talvez seja só imaginação.”, prossegue a voz onírica.
A entidade alienígena, segundo, AQUAMAN: “A Coisa… está livre… divide… e invade (…) ela é mais velha que o tempo (…) ela divide e conquista.”, no entanto, quando a vontade de potência do menino, HANEY, aliada a convicção dos heróis no sonho; e o esforço dos membros da LJA despertos, a COISA é derrotada, seu sonho deixa de ser palpável, e o conquistador descobre que acima do lobo no riacho que devorou a ovelha que, supostamente, sujou sua água, existe outro lobo mais feroz acima, espreitando, capaz de devorá-lo.
“Nas mansões ilimitadas do rei das histórias um sonho termina”
CONSIDERAÇÕES:
oda a narrativa de MORRISON é repleta de simbolismo, começando pelo designo da entidade alienígena: A COISA. É bem provável que ela seja da mesma raça de STARRO, O CONQUISTADOR ESTELAR, que apareceu pela primeira vez na história, THE BRAVE AND THE BOLD #28, em 1960, porém isso não é claro, MORRISON, nos deixa na duvida, afinal de contas, mesmo tendo as mesmas particularidades, STARRO, é roxo, ao passo que, A COISA é verde, de tamanho descomunal. Importante frisar que o nome do segundo capítulo é CONQUISTADORES, e tem duplo sentido: tanto pode remeter e especificar que a COISA é descendente de STARRO; quanto é o símbolo “Nietzschiniano” para o Super Homem, do filosofo, tendo como base HANEY e os membros da LIGA DA JUSTIÇA DA AMÉRICA. A denominação COISA também remete a especulações metafísicas , por exemplo, se alguém pegar uma pedra, puser em cima de uma mesa, em seguida com uma marreta dividi-la no meio, o resultado será: duas pedras, ou uma pedra partida em dois pedaços? Ou seja, quantas coisas serão? O que é uma coisa? Definimos as coisas por suas propriedades individuais, ou como um todo?
MORRISON, não por acaso, quis usar DANIEL em sua história; em A TEMPESTADE, SHAKESPEARE, versa o seguinte: “Somos feitos da matéria de que são tecidos os sonhos e a nossa vida tão curta tem por fronteira um sono”, ou seja, todas as informações que temos em relação ao universo como um todo, são representações de nossa mente, então como é possível provar a existência de uma realidade? Quando pensamos em alguma Coisa, prontamente vem à mente o contrário de Nada, mesmo que não tenhamos a imagem delineada de objeto, ou ser vivo, algum. Durante o período de sono, e consequentemente sonhos por mais que haja nossa interação, tudo sempre remete a névoas, e muito do que vivemos empiricamente nesse momento, ao acordarmos cai no esquecimento. Quando KYLE acredita já ter despertado do sonho, diz que pode então fazer o que quiser; é possível se libertar das representações das crenças? O conceito, de superação individual e transcendência além da estrutura e contexto, de NIETZSCHE, aparece nesse momento da narrativa.
Usar a COISA como um conceito filosófico de nossa definição <Não definição> da realidade; e DANIEL como a representação abstrata das ideias, analogando, tanto com conceitos de NIETZSCHE; quanto com o MITO DA CAVERNA do filósofo grego, PLATÃO, foi uma “sacada” extremamente filosófica, praticamente irônica, de certa forma.
A história é capaz de oferecer várias interpretações seguindo a premissa entre especulações da realidade e dos sonhos; MORRISON conseguiu em poucas páginas fazer jus ao personagem <conceito> “criado” por NEIL GAIMAN. A arte de HOWARD PORTER é caprichada, principalmente nos quadros com DANIEL.
“Ela teme o que sabe. Ela sabe o que todos os conquistadores descobrem: sempre há alguém maior que você”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
http://www.guiadosquadrinhos.com/edicao/melhores-do-mundo-os-n-26/mmu0302/7248
http://observationdeck.kinja.com/a-history-of-dc-crossovers-the-sandman-1708127365
https://pt.wikipedia.org/wiki/Kyle_Rayner